Tuberculose hoje eles a concebem como uma doença de antigamente
Trecho do Texto De Fabiana Parajara e Duda Teixeira de Superinteressante
A doença se alastra principalmente nas prisões e entre portadores de aids. Com a bactéria cada dia mais forte, nada menos do que 35 milhões de pessoas poderão morrer nas próximas duas décadas de tuberculose. E tem gente pensando que a moléstia é coisa do passado.
Um bebê de 3 meses entra no pronto-socorro com febre e tosse, respirando com dificuldade. No raio X os médicos vêem uma mancha em um dos pulmões. A primeira coisa que fazem é pedir uma biópsia, um dolorido exame que retira um pedaço do borrão para examinar no laboratório. Eles querem saber se a mancha é o que temem: câncer. Resulta, entretanto, que não era. “Num caso desses, se tivessem desconfiado das suposições rotineiras, o bebê não precisaria ter passado por tanto sofrimento”, desabafa a médica Vera Galesi, da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Afinal, a história aconteceu mesmo. “O problema é que os médicos têm dificuldade de encarar a tuberculose hoje. Eles a concebem como uma doença de antigamente.”
Muito pelo contrário, o antigo mal dos poetas, como já foi conhecido, é mais do que atual. Ele ataca cerca de 19 000 brasileiros anualmente – e 6 000 morrem. Para piorar, um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) feito em seis países e concluído este ano indica que um em cada três medicamentos tradicionalmente receitados não funciona para 90% dos pacientes. Na opinião do infectologista dominicano Marcos Espinal, que dirigiu a pesquisa em Genebra, se as coisas continuarem como estão a tuberculose em breve se tornará uma epidemia com números comparáveis aos da aids. Em duas décadas, cerca de 35 milhões de pessoas poderão morrer.
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Algo mais
Antes, a tuberculose era tida como castigo para pessoas de cotidiano pouco regrado, como artistas boêmios. O poeta Manuel Bandeira lutou contra a doença em toda sua existência e morreu aos 82 anos. Fez poemas sobre ela, que chamava de “a tísica”.
Cavernas pulmonares
Depois de invadir o corpo, os bacilos esburacam o que encontram pela frente.
1. O bacilo de Koch entra pelo nariz ou pela boca. Em 90% dos casos ele se instala nos alvéolos pulmonares, que são os órgãos através dos quais o oxigênio chega ao sangue. Mas as bactérias também podem migrar para rins, gânglios e ossos.
2. Para atingir órgãos distantes dos pulmões, o bacilo pega uma carona nos macrófagos, células do sistema imunológico. Mas ele só se desenvolve quando as defesas locais estão fracas.
3. Na maioria das vezes, a bactéria age destruindo os alvéolos do pulmão. Ela cria pequenas cavidades no órgão que impedem a troca de gases. Assim, a pessoa pode ter tosse e dificuldade para respirar.
Receita ineficiente
O que os comprimidos não conseguem exterminar…
Um coquetel de três antibióticos, a rifampicina, a isoniazida e a pirazinamida, duas vezes ao dia, costuma dar cabo da tuberculose em seis meses.
Chegando aos alvéolos pulmonares, as drogas bloqueiam a reprodução das bactérias. Dessa forma, os sintomas desaparecem. Mas, mesmo após meses de tratamento, podem restar bacilos vivos. E a doença é capaz de voltar.
Arma letal
…A terapia genética pode dar conta.
A introdução de genes alterados do bacilo de Koch em ratos age de duas formas:
As células de defesa comem o DNA modificado e disparam a produção de anticorpos, que atacam o bacilo.
Se a doença persiste, o gene artificial invade o próprio bacilo e provoca a sua morte.
A genética contra-ataca
Pesquisadores brasileiros matam bacilos resistentes com vacina gênica.
Uma vacina brasileira que aniquila as bactérias que resistem aos medicamentos tradicionais é uma das maiores esperanças para a Medicina. Com ela, os cientistas da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, conseguiram levar um pedaço do DNA alterado do bacilo de Koch às células do sistema imunológico.
A vacina teve 100% de sucesso em cobaias. E mais: ela serviu tanto para prevenir a doença quanto para tratá-la (veja o infográfico abaixo). Esse método foi aperfeiçoado quando pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais desenvolveram microcápsulas com DNA. O material genético tanto estimula a produção de anticorpos quanto invade e mata os bacilos.
A técnica funcionou muito bem em ratos – até os animais infectados com bactérias resistentes a vários medicamentos foram curados. Em dois meses será dada a largada para os testes em macacos. O passo seguinte será a pesquisa em humanos (leia mais sobre terapia gênica na SUPER número 3, ano 14).
Esperança natural
Nos eucaliptos há uma arma capaz de combater a bactéria.
A professora Clarice Fujimura Leite, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, pesquisa a família do bacilo de Koch há anos. Nas suas andanças, reparou que os centros de saúde para onde os doentes eram levados sempre tinham plantações de eucalipto à sua volta. Seguindo a pista aparentemente casual, ela resolveu pesquisar a planta e descobriu que o óleo essencial de três espécies de eucalipto não nativas do Brasil – a E. citriodora, a E. maculata e a E. tereticornis – apresentavam grande quantidade de citronelal e citronelol. Essas substâncias conseguem impedir a reprodução das bactérias, mesmo das mais resistentes a medicamentos. A pesquisa para confirmar o poder do óleo de eucalipto ainda está em fase de testes. Assim, pode demorar alguns anos para que seus benefícios cheguem aos pacientes e sejam utilizados com os remédios tradicionais. Por enquanto é bom lembrar que as espécies pesquisadas não são as mesmas presentes nos óleos recomendados pelos aromaterapeutas, que estão à venda nas casas de produtos naturais. Não esqueça: nunca se automedique.